terça-feira, fevereiro 21, 2006

Felicidade?

Passamos a vida em busca de alguma coisa. Desde pequenos que nos é ensinado que o objectivo da vida é alcançar a felicidade, e à medida que vamos crescendo, e vemos que essa felicidade nunca é completa começamos a achar que há algo errado connosco, que talvez seja o destino que nos está a pregar uma partida, ou talvez sejamos nós que somos incapazes de segurar as rédeas do nosso destino e conquistar essa felicidade que é nossa por direito. Infelizmente, não só o conceito de felicidade é na maior parte das vezes uma deturpação baseada no egoísmo, como a maior parte de nós está completamente errado quanto à forma de alcançar essa felicidade.

Para começar, o que é engraçado nesta busca da felicidade, é que nenhum de nós a consegue definir em termos precisos. Ninguém consegue especificar o que é que realmente representaria a felicidade para nós. À primeira vista podemos pensar que a felicidade nos viria de alcançar certos bens materiais, mas embora passemos o tempo a sonhar com o que não temos (e infelizmente nos esqueçamos de dar valor ao que efectivamente já temos), é fácil perceber que nenhum bem material nos trará a felicidade de forma duradoura, pois logo que alcançamos uma coisa que desejávamos e que nos parecia fundamental para sermos felizes, verificamos que essa mesma coisa afinal não era bem aquilo que esperávamos, que a excitação momentânea de a alcançar começa a desvanecer-se rapidamente. Parece que mal alcançamos o que pretendíamos, essa coisa deixa de parecer tão atractiva, tão gratificante, e rapidamente chegamos à conclusão que a felicidade ainda não é nossa, que o que realmente precisamos é outra coisa, melhor sem dúvida, alguma coisa que inevitavelmente ainda não possuímos, e essa sim nos fará felizes. Desta forma entramos num ciclo vicioso, de querer sempre mais, e de nos sentirmos cada vez mais insatisfeitos por nunca termos tudo o que queremos. Esse não é o caminho para a felicidade mas sim para o sofrimento.

Mais cedo ou mais tarde chegamos à conclusão que a verdadeira felicidade não pode ser alcançada com coisas materiais. Podemos estar mais confortáveis, ter coisas bonitas, viver mais comodamente, mas ninguém, nem a pessoa mais rica do mundo, pode ter tudo o que deseja, pela simples razão de que uma pessoa deseja sempre aquilo que não tem. E quanto mais tivermos mais queremos, e mais longe estaremos da felicidade, pois, não só, nada das coisas que temos nos satisfará realmente, como começaremos a ter medo de perder o que já possuímos, e assim contribuiremos ainda mais para sermos infelizes.

Tal como uma droga, essa ânsia de querer mais vai-se tornando cada vez mais violenta, vamos precisando de doses cada vez maiores para sentir a mesma satisfação momentânea, e mesmo essa desvanece-se cada vez mais cedo, sem qualquer complacência, lançando-nos de novo no abismo dos desejos insaciados. E quanto mais temos, mais se aprofunda esse abismo entre o que temos e o que desejamos.

Também pensamos muitas vezes que a felicidade pode vir de outras pessoas. Se encontrarmos o nosso par ideal, a nossa alma gémea, então seremos verdadeiramente felizes e completos. É talvez verdade que cada um de nós é incompleto, uma metade, homem ou mulher, de um mesmo todo, e dessa forma precisaremos sempre de alguém para nos completar. Não é errado procurar essa pessoa, e será talvez o mais próximo que podemos estar de ser felizes no mundo exterior, caso a encontremos. Mas se pensarmos que precisamos de alguém para ser felizes, isto é, que alguém nos vai trazer a felicidade de fora, então estamos novamente a cair no erro do materialismo e a abdicar da nossa liberdade intrínseca. As pessoas passam a ser como coisas, e já vimos que as coisas não bastam para alcançar a felicidade. Mais cedo ou mais tarde a paixão começa a diminuir, a outra pessoa deixa de ser perfeita aos nossos olhos e começa a revelar-se como uma pessoa de carne e osso, com falhas humanas como todas as outras. Nessa altura, criticamos a outra pessoa por não nos dar o que precisamos, por não nos compreender, por não nos fazer felizes. Mas será que a culpa é dela ou nossa por nos termos iludido? Será que precisamos realmente dessa pessoa como achávamos? Precisaremos de alguém para ser felizes? E já agora, que tal pararmos para pensar que a outra pessoa está provavelmente a sentir-se tão desprezada e abandonada como nós? Terei eu o direito de ser feliz, ou essa felicidade é um mito e tenho sim o dever de tornar os outros felizes? (e talvez aí então encontrar a felicidade...)

Tal como alcançar a felicidade por meios materiais é impossível, também esperar que alguém nos possa trazer essa felicidade duradoura é uma ilusão. Claro que podemos e devemos partilhar a vida com os outros, ajudarmo-nos mutuamente a evoluir, e se tivermos a sorte de encontrar a nossa alma gémea devemos dar graças por podermos partilhar com ela os momentos bons e maus da vida, as inevitáveis tristezas, mas também as muitas alegrias. Mas não podemos acreditar que sem as outras pessoas, por mais perfeitas que elas sejam, seremos incapazes de ser felizes, senão estaremos a ser injustos para com os outros, ao exigir-lhes o que não nos podem dar, e acima de tudo estaremos a ser injustos connosco próprios, ao procurarmos nos outros aquilo que só podemos encontrar em nós mesmos. Na verdade, não precisamos de ninguém, por mais que nos tenhamos apegado a essa ideia. Podemos e devemos partilhar a nossa vida com os outros, mas sem nunca esquecer que a nossa felicidade depende em primeiro lugar de nós próprios, e só nós nos podemos fazer verdadeiramente felizes.

Embora possa ser doloroso, temos que compreender que aquilo que buscamos nas outras pessoas não é mais do que um substituto pouco eficaz para o que não queremos, não sabemos ou não conseguimos dar nós próprios. Não passa de uma tentativa de ocultar as carências que temos, as faltas que sentimos interiormente. Procuramos nos outros o que não conseguimos obter de nós. Dessa forma, as falhas que apontamos à outra pessoa, evidenciam a maior parte das vezes aquilo que não gostamos em nós próprios, e muitas vezes os defeitos que criticamos nos outros são exactamente as fraquezas que não queremos reconhecer em nós.

Podemos ser felizes ao lado de alguém, mas a nossa felicidade nunca poderá provir dessa pessoa exclusivamente. Se acreditarmos que precisamos dessa pessoa para ser felizes vamo-nos tornar reféns de uma ilusão que projectámos e o resultado, mais cedo ou mais tarde, será o desapontamento. Será que alguém quer abdicar da sua individualidade em prol de outra pessoa? Será que queremos depender assim tanto de alguém que nos esquecemos de ser nós próprios?

Na verdade o sítio onde nunca se busca é o único onde a felicidade se pode ter escondido este tempo todo. É tudo acerca de nós próprios, ninguém nem nada nos pode dar essa felicidade que por estranho que pareça já está em nós. Passamos a vida à procura da felicidade no exterior, quando é apenas dentro de nós que a podemos encontrar. A vida, no fundo, é um espelho, que reflecte aquilo que nós somos. Não é a vida que nos acontece, nós é que acontecemos à vida. Quando algo nos aborrece, quando alguém nos critica, por exemplo, em vez de culparmos a outra pessoa, ou as circunstâncias por não correrem como desejamos, devíamos pensar o que é que este reflexo da vida nos pretende dizer. Qual a lição que temos que aprender? Talvez, se pensarmos bem, vejamos que a pessoa que nos está a criticar tem razão, que embora não estivéssemos conscientes, fizemos ou dissemos algo que magoou essa pessoa fazendo-a agora reagir assim. Não nos podemos esquecer que as outras pessoas também têm uma cabeça para pensar, e pior que tudo, buscam as mesmas coisas e sofrem das mesmas ilusões que nós. Talvez devêssemos deixar de culpar os outros, e procurar a culpa em nós mesmos. Se a vida é um reflexo de nós próprios, então ninguém pode causar-nos nenhum mal, excepto nós próprios. Pode parecer que a culpa é dos outros ou das circunstâncias, mas se queremos ser pessoas evoluídas temos que pensar que a culpa é nossa e compreender que só nós nos podemos pôr bem.

Muitas vezes pensamos que os outros sabem o que nós estamos a pensar. Mas infelizmente não é assim, esquecemo-nos de tentar ver a vida pelos olhos deles, e assim caímos na asneira de pensar que o mundo gira à nossa volta. Se não dizemos aos outros o que sentimos e pensamos, não podemos depois esperar que eles se comportem da forma que desejamos. Mais uma vez, a culpa foi nossa, todas as outras pessoas apenas fazem parte do espelho que a vida é.

Se pensarmos desta forma, as críticas e dificuldades da vida passam a ser oportunidades de aprender, de evoluir, de nos tornarmos melhores. E o objectivo da vida não é ser melhor do que os outros, é sermos o melhor de nós próprios. O espelho que a vida é, está lá exactamente para nos mostrar o que está errado com a nossa forma de pensar e sentir a vida. Tal como um espelho real nos mostra como está a nossa imagem, para a podermos retocar, devemos aproveitar as mensagens que o espelho da vida nos dá para nos melhorarmos interiormente.

Da mesma forma com a sorte, ou o destino. Pode parecer que certas pessoas têm sorte em tudo, e que outras só lhes acontecem desgraças. Será que Deus é injusto? Pode ser que exista alguma influência do universo sobre o que é a nossa sorte ou azar, algo adquirido, resultante do nosso karma ou das nossas acções passadas, mas em grande medida nós é que fazemos a nossa sorte. O mundo vai ser sempre um reflexo daquilo que somos interiormente, por isso se nos acharmos feios e solitários, infelizes e azarados, os outros vão-nos ver assim, e afastar-se-ão de nós. Nós próprios vamo-nos ver assim e agir dessa forma. Se nos vemos como incapazes de concretizar os nossos objectivos, então inevitavelmente a vida vai nos negar as oportunidades, ou pior ainda, nós próprios teremos medo de aproveitar as oportunidades que nos surgem a cada curva do caminho. Seremos azarados, é verdade, mas não porque a vida nos queira dificultar as coisas, e sim porque nós as dificultamos a nós próprios. Mesmo nisso pode haver algo a aprender, mas a lição só pode começar a operar a partir do momento que se reconheça o erro.

Na verdade muitos dos obstáculos que nos surgem são na verdade desafios, lições de vida que temos que vencer e compreender para podermos evoluir, para nos podermos tornar melhores. Se um obstáculo nos surge, é por que de certa forma estamos preparados para o enfrentar, e tentar evitá-lo, só vai fazer com que ele nos surja novamente mais à frente, vez após vez, até finalmente nos decidirmos a encará-lo. E de uma forma estranha, parece que as lições decorrentes da superação desses obstáculos nos mantém aprisionados no estado de evolução presente até que nos decidamos a compreende-las. Podemos fugir, mas não nos podemos esconder. Por vezes pode parecer que tudo está contra nós, mas nessa altura devemos reflectir que os maiores obstáculos são resultado da nossa própria perspectiva da vida, e se nos mudarmos por dentro, a vida também mudará por fora. É o nosso olhar sobre a vida que tem que mudar, para podermos ser mais lúcidos. A forma como vemos a vida, é a forma como a vida se torna (dito de outra forma, dá muito mais trabalho mudar todo o mundo, do que nos mudarmos nós, e o resultado é o mesmo).

Nós somos aquilo que acreditamos que somos, o que acreditamos agora é aquilo em que nos tornamos amanhã, por isso o primeiro passo é reconhecer, primeiro, e acreditar, depois, no nosso verdadeiro potencial. Aquilo que formos capazes de sonhar, também somos capazes de concretizar. O nosso sonho não é mais do que uma semente, desejosa de germinar e de florir na nossa vida. Tudo está ao nosso alcance, se realmente o quisermos alcançar. Temos que compreender aquilo que realmente somos, indivíduos capazes de enfrentar quaisquer desafios que a vida nos coloque, e capazes de lutar por aquilo que realmente desejamos. Pensamentos negativos, pessimistas ou derrotistas não são necessários, aliás são esses pensamentos que muitas vezes nos impedem de alcançar os nossos objectivos ("não consigo", "não mereço"...). Não devemos ser egoístas, não podemos esquecer que os outros têm tanto direito a alcançar os seus objectivos quanto nós, mas não podemos ficar de braços cruzados à espera que a vida nos traga milagrosamente o que desejamos. Temos que nos tornar independentes e lutar pelos nosso objectivos. Se queremos um milagre, então temos que nos tornar nós próprios esse milagre.

Pensar que podemos ser quem realmente somos à custa de bens materiais, ou à custa do amor e respeito das outras pessoas, é uma falsidade. Tudo tem o seu lugar na vida, e não há nada errado em querer ser feliz, em querer ter conforto e relações gratificantes. Não há nada errado em querer ter amor. Mas nunca nos podemos esquecer que a felicidade depende em ultima análise apenas de nós próprios. Se dependermos das circunstâncias exteriores, nunca a possuiremos, porque é no nosso íntimo que ela se esconde, e no nosso íntimo que a temos que encontrar. Nós é que temos que dar amor a nós próprios em primeiro lugar, temos que nos aceitar, que nos perdoar dos erros do passado, e compreender tudo aquilo que podemos ser no futuro.

Quando compreendermos que já somos, e temos, tudo o que precisamos, então, aí sim, seremos felizes. E o que é mais importante, se forjarmos a nossa própria felicidade, sem recorrer a nada nem a ninguém, então seremos independentes, e essa felicidade será nossa para sempre. Nada nem ninguém, nos poderá tirar essa felicidade que conquistámos, porque ela não depende de nada nem ninguém senão de nós próprios. E essa sim é a única maneira de ser verdadeiramente feliz.