terça-feira, fevereiro 21, 2006

Big-bang, ou O Grande, hã.. Bum???

Ok, talvez seja melhor começar pelo princípio.

No princípio era o verbo. Depois fez-se luz. Ou qualquer coisa assim.
Os antigos indianos usaram a metáfora sonora (Om), os gregos usaram a metáfora visual (fez-se luz). A ciência moderna embora usando outras metáforas não acrescentou nada de novo sobre o assunto (supostamente O Ganda-Bum terá soltado alguma luz, e atrevo-me a dizer, algum barulho, mas continuamos basicamente na mesma). Mas eu vou esclarecer as coisas.

Vamos imaginar que a ciência sabe tudo. Esqueçamos que questões tão básicas como “afinal o que é a gravidade?” carecem de explicação definitiva. Esqueçamos que os grandes mistérios da vida e da consciência estão tão longe de serem compreendidos por nós humanos como o estão por, sei lá, os macacos. Imaginemos que a ciência não se encontra em negação quanto ao pouco que realmente sabe, e para efeitos argumentativos consideremos que a ciência é capaz de ainda vir a descobrir as leis que regem o universo na sua totalidade. E imaginemos que deus se deixa conhecer (isto é, que estas leis realmente existem, como qualquer cientista que se preze não pode deixar de acreditar, sob risco de cair na maior crise existencial).

A partir do momento que conhecemos as leis do movimento de uma partícula (seja uma bala de canhão seja um átomo) podemos prever o seu comportamento actual ou futuro. Teoricamente, e caso conhecêssemos exactamente as condições presentes da matéria e as leis que regem o seu comportamento, poderíamos recuar no tempo e saber o que andaram todas as partículas a fazer desde o big-bang até agora.
Na verdade é mais ou menos isto que a ciência tentou fazer. Como descobriram que o universo se está a expandir, assumiram que rebobinando o filme toda a matéria esteve em tempos (ou melhor, antes do tempo) aprisionada num espaço sem dimensões, seja lá o que isso for.
Mas então vejamos. Se assim foi, será que podemos assumir que o big-bang já acabou? Essa mesma explosão que criou as inúmeras estrelas e tudo o que existe, não continuará ainda em evolução? (Um relógio parece estar parado quando olhamos para ele...). Os ciclos, as ondas de matéria e energia que foram criadas e postas em marcha nessa explosão primordial, ainda não cessaram de evoluir, de convoluir e de trivoluir por todo o lado e de todas as formas possíveis. Na verdade partícula nenhuma parou, depois do big-bang. Pode-se ter transformado, nascido e morrido inúmeras vezes, mas não deixa de ser tudo um grande ciclo de ondas atrás de ondas atrás de ondas entrelaçadas numa dança cósmica que nunca cessa, nem por uma fracção de segundo, ou enquanto o diabo esfrega um olho, para usar um intervalo temporal mais científico.
Mas essas mesmas ondas compõem-nos a nós tal como compõem tudo o que existe. Esta cadeira em que me sento, é composta de partículas que continuam a mover-se desde o início dos tempos. Que ela pareça estar imóvel é um erro de percepção, resultante do meu ponto de vista particular e da ausência de referenciais cósmicos. Todo o meu corpo é composto dessas mesmas partículas irrequietas, e é apenas a minha perspectiva reduzida que me ilude a pensar que sou um ser finito, definido e por vezes estático. Eu sou feito dessas mesmas ondas em constante mutação, tal como tu e tudo o que existe. Na verdade não podemos afirmar com certeza onde eu acabo e tu começas, pois fazemos parte das mesmas ondas que tudo permeiam.

Mas então espera aí... Se a ciência pode em princípio descobrir as leis que regem o comportamento de cada partícula, então recuando ao início do universo, a causa primeira, e aplicando essas leis a cada partícula, podemos saber tudo o que se passou com cada uma dessas partículas desde o início dos tempos até agora. Inclusive as partículas que compõem esta cadeira em que me sento, e as partículas que me compõem a mim e a ti. E segundo essas leis, todas essas partículas só podiam ter evoluído no tempo de uma forma particular: esta forma particular! Uma bala de canhão uma vez lançada, só pode vir a cair num lugar, não podemos querer descobrir leis que rejam o comportamento dos projécteis e depois querer dar liberdade de escolha à bala, para mudar de ideias a meio da viagem e procurar um sítio mais fofo para aterrar. Podemos não compreender bem o que a pôs em marcha, mas à luz da ciência a bala depois de estar lançada, só cairá num sítio: ali, e ali mesmo.
Ora como desde a grande explosão (essa, deixemos-lhe a opção de ter explodido para onde bem lhe apeteceu) nenhuma partícula de matéria ou energia teve a opção de fazer algo que não o comportamento bem definido que a lei suprema da governação do cosmos estabeleceu (que essa lei esteja por descobrir é irrelevante, chamemos-lhe deus), então começamos a chegar a uma conclusão, que embora paradoxal não deixa de ter o aval da lógica determinista: a de que num mundo mecanicista como aquele onde habita a so-called ciência, tudo está inexoravelmente predeterminado.
Ou seja, quando eu movo o meu braço, tal não acontece porque eu o desejo (embora assim me pareça, mas tal como vimos o que parece nem sempre é), mas porque as leis que regem as ondas de matéria que compõem o meu braço assim o determinam. Fascinante, não? De alguma forma então os nossos cérebros passam a ser máquinas de nos iludir à posteriori, e fingir que tiveram eles a ideia: "oops, o meu braço moveu-se, toca a mandar um pensamento a dizer que queria ter movido o meu braço há uns instantes atrás...". Temos que salvar a cara... quem se quer ver um mero fantoche nas mãos de deus?

(neste ponto gostaria que interviesse aqui um qualquer diligente materialista com demasiado tempo livre, e nos esclarecesse quanto à falha lógica de que padece – seguramente - o meu raciocínio acima, de forma a que recuperássemos o nosso lugar como expoente máximo da criação e pudéssemos seguir com as nossas vidas)

Continuando: ou bem que há leis a governar o movimento dos corpos (macro e micro-cósmicos), ou bem que os corpos decidem o que querem fazer. Talvez deus tenha deixado uma ressalva na sua famosa lei: "os corpos evoluem assim e assado, excepto os humanos, que fazem o que bem lhes apetece". Não me parece. Num universo materialista, determinista, mecanicista e inevitavelmente autista, não pode haver livre-arbítrio.
A melhor (tentativa de) saída para este impasse encontro-a na física quântica. Ao nível quântico ninguém sabe bem o que se passa, e assim parece que as partículas sub-atómicas fazem o que lhes apetece (e ninguém tem nada a ver com isso), com total desrespeito pelas leis que lhes tentamos impor. Mesmo que assim seja (o Einstein por exemplo, recusava-se a aceitar que deus jogue aos dados... eu também, mais depressa acreditaria no dominó), nada nos garante que nós humanos, enquanto partículas sobre-atómicas, gozemos dos mesmos benefícios do princípio da incerteza. A tal ressalva na lei de deus a conceder imunidade diplomática aos humanos, parece-me pouco provável.
Acho que a conclusão inevitável é que basicamente temos muito menos liberdade de escolha do que gostamos de acreditar. É natural (ainda que presunçoso) que gostemos de nos ver como seres autónomos, e na verdade os fiozinhos que nos prendem os membros nem são fáceis de discernir a olho nu. Eu nem sequer acredito neles.
Mas que eles existem, existem (se confiarmos na ciência, e até prova em contrário).

Que implicações é que isto pode ter na nossa vida do dia a dia? Em princípio nenhumas, mas pelo sim pelo não toma duas aspirinas e agasalha-te bem.