terça-feira, fevereiro 28, 2006

Afinal: temos liberdade de escolha ou não?

Como em todos os mistérios que se prezem, a resposta é não... e sim. Nim.

Do ponto de vista físico, temos tanta liberdade como tem um electrão, por exemplo. Já vimos que se quisermos acreditar que o universo é regido por leis invioláveis, e que houve uma causa-primeira, fora do nosso controle, que deu início à matéria e ao tempo (o big-bang), então desse momento em diante, o universo autogoverna-se por si, e toda a multiplicidade que vemos ao nosso redor, não depende de nada mais misterioso do que a natural evolução do universo, ao longo de milhões de anos, de acordo com leis, que embora porventura desconhecidas, estarão, por definição, bem para lá do nosso controle volitivo. A matéria foi criada por deus, digamos, e lançada com certas propriedades no espaço infinito. Os ciclos daí resultantes, as ondas de energia e matéria aí iniciadas, estão em movimento e inter-operação desde o início dos tempos, e nós, seres humanos e resto da vida em geral, fazemos também parte desses ciclos, somos compostos de energia e matéria que segue essas mesmas ondas primordiais, irreversíveis e incontroláveis.

Que consigamos preservar uma noção de livre vontade, como se pudéssemos de qualquer forma manter-nos à parte desses ciclos, e conseguir que o nosso lado material estivesse à margem dessas leis inevitáveis, não deixa de ser curioso.

Pelo lado físico (entenda-se, materialista) da questão, não pode haver qualquer livre-arbítrio, qualquer decisão que não estivesse ela própria irremediavelmente prevista pelas leis primordiais e pelo comportamento natural das forças do universo.

Mas comecei por dar o exemplo do electrão. O electrão, até onde conseguimos já perceber, é regido por leis probabilísticas que determinam, não a sua posição e velocidade precisas, mas a probabilidade de ele se encontrar num dado local, com uma dada velocidade. Dessa forma, podemos chegar à conclusão que existem leis que elas próprias não permitem um determinismo completo, actuando apenas como limitadores probabilísticos mantendo sempre um certo grau de incerteza. Umas coisas são mais prováveis que outras, mas nem tudo é possível (senão não teríamos sequer algo que arriscamos chamar de lei).

Mas isso além de não nos explicar de que depende efectivamente a concretização das diversas probabilidades possíveis (no afinal quem toma a decisão? quem joga os dados?), continua a não abonar nada em favor da nossa capacidade de decisão... Deixamos de ser seres indefesos, seguindo um rumo traçado previamente, sobre o qual não temos nenhum controle, para sermos seres à deriva num oceano de probabilidades aleatórias, sobre o qual não temos nenhum controle. Deixámos de ter um plano predeterminado (é verdade, passámos a andar ao calhas), mas continuamos a não ter qualquer controle sobre o nosso destino.

E isto até aqui é tudo raciocínio lógico, aplicado à física, e sobre o qual, na minha limitada compreensão, me permito filosofar.

O universo foi criado, é tudo o que podemos constatar, e a partir daí nenhuma intervenção volitiva é, ou será, necessária para explicar nada. O universo autogoverna-se, e muito bem, devo acrescentar (por alguma razão não governamos nós o universo, deus sabe que se quer uma coisa bem feita, é melhor faze-la ele). Houve um misterioso início, e nós, tal como tudo o resto que foi, é e será, somos também um produto desse início. Não somos causadores de nada e não temos sequer a capacidade de agir (entenda-se, agir por conta própria). Somos apenas reacção, pois no fundo somos compostos da mesma energia e matéria, que deus pôs em marcha no início dos tempos, e deus governa como se comporta, desde então (substitui "deus" por "leis da física" se isso te ajudar a compreender).

A questão da vontade nem se põe, pois para haver vontade tínhamos que a poder expressar de alguma forma, e nós limitamo-nos a ser expressados por uma vontade superior, embora presunçosamente achemos que não. A marioneta, julga-se o marionetista. A bala de canhão, julga que está a decidir onde vai cair... (enfim, basicamente é assim: podes escolher aonde cais, desde que seja... AQUI).

Mas isto, volto a dizer, é apenas raciocínio lógico, aplicado a alguns pressupostos da física moderna. Não estou mais do que a tentar aprender a lição.

Antes de prosseguires, certifica-te que chegaste já à mesma conclusão que eu: se o universo é regido por leis imutáveis – pressuposto nº 1 - e se essas leis tomaram o controle a seguir à causa primeira – pressuposto nº 2 – então somos apenas resultado dessas leis, e não temos qualquer capacidade volitiva que esteja para além delas.

Pelo lado materialista da questão, não existe livre-arbítrio, não existe livre-vontade, e o que nos parece a nossa decisão, é no fundo o único resultado possível, dada a nossa situação presente, e um conjunto de leis que governam o nosso movimento futuro.

A matéria é escrava. Existe outra explicação?

A partir deste momento temos que abandonar a física, e valer-nos da metafísica se queremos ir mais além.

O que nos pode salvar desta aparente inevitabilidade? (isso se quisermos ser salvos, porque só queremos ser nós a decidir, se for para decidir algo melhor, mas se a decisão que está tomada por nós, for a melhor decisão para nós, aquela que iríamos decidir se por artes mágicas se suprimissem as leis e decidíssemos por nós próprios, então tal não representa grande problema... deus decidiu por nós, mas decidiu para nós).

O que apresento é uma possível solução para este impasse, que implica obviamente que sejamos mais do que matéria (pois a matéria, como vimos, está irremediavelmente condenada a seguir o plano pré-estabelecido).

O universo pode já estar todo criado, passado presente e futuro existindo em simultâneo, nessa vastidão do espaço-tempo (isto, ainda, é uma teoria física, bastante aceite até). Inclusive todas as nossas possíveis decisões, e as suas respectivas consequências, num infinito holograma em que a partir de tudo, se alcança tudo, pois cada partícula do universo tem em si a explicação toda (esta ideia também não é nova).

O que não será porventura tão fácil de aceitar, é que a nossa natureza essencial não seja composta de matéria, mas antes de consciência (o que, enquanto teoria, não é novidade nenhuma, pelo menos fora dos círculos académicos – os vedas, por exemplo, afirmavam-no já há 5000 anos atrás). Essa consciência primordial, que partilhamos com o universo inteiro, e inclusive com deus, é o que nos poderá permitir ir além das barreiras materiais. Pois a consciência não pode ser governada por leis: a consciência é livre! Do ponto de vista metafísico, e segundo esta teoria, não passamos então de focos de atenção. Para onde dirigimos essa atenção, é para onde nos parece que a nossa vida se desenrola.

Todas as possíveis realidades existem já no espaço-tempo. O que chamamos tempo não é mais do que a nossa atenção a deslocar-se de uma para outra, e o que interpretamos como o decorrer da nossa vida, é um conjunto de instantes pontuais do espaço-tempo, que vamos atravessando com o fio condutor da nossa atenção, tal como se enfiássemos contas coloridas através de um fio (resultado o "colar" final, naquela que foi a nossa presente existência).

Voltando ao electrão, ele foi na verdade por aqueles caminhos todos, e é a nossa escolha de qual o local para onde olhamos que vai determinar se o vemos ou não. Isto poderá não fazer muito sentido, pois estamos habituados a acreditar que uma dada coisa - seja um electrão, ou outra qualquer - só pode estar num sítio de cada vez. Mas o electrão em particular, parece desafiar esse conceito, e sendo assim, talvez a matéria seja mais elusiva do que a creditamos.

Somos nós, então, que escolhemos para onde queremos olhar. Não dominamos a matéria, mas podemos escolher onde focamos a nossa atenção. Assim, não precisamos de ter intervenção sobre a matéria, o que seria impossível, como vimos atrás, mas podemos escolher qual a matéria que queremos ver, e assim, escolher de alguma forma como se desenrola o nosso futuro (sempre é o nosso colar, por isso podemos escolher as contas que queremos nele). Talvez como o electrão, tenhamos que passar por todos os "colares de decisão" possíveis para nós. Mas isso sem dúvida exigirá várias vidas (um tema para depois).

Esta teoria tem a dificuldade de não poder ser testada. Ou melhor, embora possas muito bem concluir para ti que representa a verdade, tal dever-se-á inevitavelmente ao resultado de um caminho de auto-descoberta, de introspecção e de questionamento interno, muitas vezes para lá do pensamento conceptual.

É impossível, para quem medita, negar a existência dessa atenção primordial e profunda que é o âmago da nossa consciência. Mas dificilmente a colocaremos num tubo de ensaio... E as tentativas de o fazer, resultarão, por vício de prova, na materialística conclusão de que tudo se deve à operação natural dos nossos sistemas físicos (supostamente sendo o cérebro o produtor dessa consciência).

No entanto aquilo em que decidires acreditar terá implicações profundas para a tua própria liberdade...


Deixo-te a pensar nisto, por agora.